25 fevereiro 2017

O autor

“Tire os olhos deste papel! Antes de tudo, você deve olhar a sua volta.”

Confesso que fiquei meio sem saber o que fazer quando li esta frase. Tinha acabado de abrir o livro e, logo no começo, o autor me veio com essa. Acabei dando uma olhadinha rápida para o lado, desconfiado de que isso daria sentido a leitura. Em pouquíssimo tempo me senti um bobo, afinal de que adiantaria olhar a minha volta sem receber uma orientação do autor? O que ele queria que eu olhasse?

Voltei para o livro esperando que a resposta estivesse nas linhas seguintes. Então veio o segundo parágrafo: “Por que a ansiedade? Dê uma boa olhada à sua volta! Não espere mais orientações além disso. Ignore esta leitura e veja o mundo por alguns instantes.”

Não me senti confortável ao receber ordens assim. Que tipo de texto era esse que não desejava ser lido? Fechei o livro disposto a não retornar mais para ele. O problema é que ao deixar de lê-lo, fazia exatamente o que ele havia me ordenado: tirava os olhos do papel e os colocava no mundo.

Então voltei para o livro. “Você não quer ao menos tentar? Tem medo de encontrar algo e ter que me agradecer por ter feito essa descoberta? Não seja tolo, vou lhe dar mais uma oportunidade.” Quis continuar a leitura, mas a página acabava exatamente nesta linha. Virei a folha e não havia nada no verso. Outra e outra e outra página vazia. Aquilo poderia ser uma brincadeira de mal gosto, mas eu estava disposto a entrar no jogo. Se o autor era teimoso o suficiente para não me dizer o assunto de seu livro, eu também tinha uma tática para contrariá-lo. Fechei o livro e fechei os olhos. Agora eu estava livre de ter que obedecê-lo. Eu não era obrigado a ver o mundo a minha volta só porque um autor preguiçoso escreveu meia dúzia de frases evasivas.

Para minha surpresa, mesmo de olhos fechados, ouvi a voz dele. “Por que você se recusa a ver?”. Abri os olhos assustado. Por um instante tive a sensação de que o autor ficaria no meu pé o resto da vida. Então perguntei: “O que você quer que eu veja?”. Não obtive resposta. Novamente me senti um estúpido. Eu estava sozinho, o que poderia esperar? Uma voz do além? Uma mensagem codificada no canto de um passarinho? Cheguei a pensar em abrir o livro novamente, na expectativa de encontrar as páginas preenchidas com as respostas que procurava, mas me recusei a passar mais esta vergonha.

Levantei e dei alguns passos. O autor voltou a falar comigo: “Isso mesmo! Veja tudo que está a sua volta. Olhe para cima, para baixo, para os lados. Isso tudo é obra da minha imaginação. Você não acredita, né? Você acha que esta voz é sua consciência. Não! Você não está ficando louco. Apenas quero que você enxergue as coisas pela minha perspectiva. Eu criei todas as coisas, eu controlo a história, eu sei de tudo… e não adianta fugir, pois estou em todos os lugares, sou dono do tempo, sou o autor da vida. Sim, eu sou o autor da sua vida”.

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