27 fevereiro 2017

A árvore

A manhã começou barulhenta. Meia dúzia de operários bloquearam o trânsito da avenida  enquanto a escavadeira demonstrava sérias dificuldades para manobrar. As buzinas impacientes só incomodavam menos que o bate estacas em funcionamento desde às seis, perfurando as fundações daquele grande empreendimento.

O terreno parecia abandonado a muitos anos, mas a realidade é que uma série de projetos e estudos eram realizados nos bastidores. A área era extensa e bastante valorizada. Muitos diziam que o empreendimento traria muitos benefícios para o bairro, embora houvesse um grupo considerável contra a construção.

De certa forma, aquela imensa árvore no meio do terreno pertencia ao grupo de opositores. Estava plantada ali desde os tempos de Cabral e demonstrava forças para permanecer por pelo menos mais quinhentos anos ali. Durante muito tempo, ela foi a principal causa de disputa entre os favoráveis a obra e os conservacionistas.

Na realidade, os donos do empreendimento não tinham interesse em prejudicá-la. Tratava-se de uma operação de remoção e plantio em outro lugar mais adequado. Por outro lado, os conservacionistas diziam que aquele era seu lugar de origem e que os donos do terreno não tinham o direito de removê-la. Mas, como se vê, este argumento foi derrubado nos tribunais e agora a escavadeira estava lá, fazendo seu trabalho, retirando a terra em volta da árvore.

Na avenida, manifestantes já se reuniam e gritavam palavras de ordem. Às dez, a imprensa iniciou a cobertura on-line do evento: “E agora, sai ou não sai?”. Concluído o trabalho da escavadeira, o guindaste assumiu sua posição. Passou longas correntes em volta do tronco, ligou seus motores e puxou. Alguns manifestantes choravam de desespero.

Como a árvore parecia não se mover um centímetro, logo surgiram os gritos de alegria. Quanto mais o guindaste puxava, mais a árvore resistia, os manifestantes festejavam, o empreiteiro em agonia. Às treze horas, a escavadeira voltou a cena e para perfurar ainda mais o solo. As raízes eram muito profundas, acima da previsão dos engenheiros. O jornal publicou: “Árvore resiste a empreendimento”.

Às dezesseis horas, retornam os trabalhos com o guindaste. Ao lado, um caminhão estacionado aguardava a remoção para transportar a árvore. A avenida, ocupada por gente pró e contra a remoção, parecia arquibancada de futebol, uns torcendo pela planta, outros pela máquina. Após uma hora e meia o jornal divulga: “Árvore ganha mais uma partida”.

Exaustos, os operários recolhem seus equipamentos. Apesar de todo esforço, a árvore parecia intacta, teimosa em sua decisão de permanecer ali. Dezoito horas, bate uma brisa suave. As pessoas quase não notam, mas as folhas da árvore balançam. De repente, como que convencida pela conversa do vento, a frondosa e enraizada árvore tomba delicadamente sobre o caminhão. A última manchete do dia anuncia: “Após sopro, árvore decide se mudar”.   

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